Já passava das 18 horas quando o deputado federal André Janones (Avante-MG), 36 anos, 178.860 votos, fazia uma de suas postagens com grande alcance, na segunda-feira (31/08). Era uma foto no Facebook em que o parlamentar aparece devorando um cachorro-quente, dando a entender que seria seu “almoço” do dia: “Ninguém é de ferro! Pausa pra um cachorro quente e uma Coca Cola e depois PAU NELES!”, postou na legenda.
A foto gerou 300 mil interações nessa rede. A maioria dos 26 mil comentários foram de apoiadores. Mensagens desejando força e pedindo a Deus que o abençoasse apareceram em profusão. Uma reclamação perdida pedia ajuda, pois um seguidor havia tido o Bolsa Família cortado. É comum encontrar esse tipo de interação: muitos beneficiários do Bolsa Família costumam ir às redes do deputado para contar sobre suas dificuldades em conseguir o recurso.
Esse recorte da população, que muitos pensam não ser usuário de redes sociais, tem em Janones um dos seus. De família humilde, filho de um cadeirante e uma empregada doméstica, ele trabalhou como cobrador de ônibus e se formou em direito graças a uma bolsa de estudos. Elegeu-se deputado pela primeira vez em 2018. Essa história de vida serviu à sua causa mais recente, a defesa da manutenção dos 600 reais do auxílio emergencial. O post alcançou mais de 500 mil interações no Facebook nesta segunda (31/08).
A maioria dos comentários em suas publicações dos últimos dias (bastante tensos) mostrou apreensão com o futuro do auxílio: “Que Deus lhe proteja e dê muitas forças pra lutar por nós brasileiros que dependem desse dinheiro pra sobreviver.”
É esse sentimento, muito bem captado pelas redes do deputado, que fez de André Janones o maior fenômeno atual da política no Facebook no Brasil. A pauta do auxílio emergencial levou-o a patamar impensável há alguns anos. Quem diria que um deputado federal relativamente desconhecido de políticos, analistas e jornalistas iria desbancar o todo poderoso Jair Bolsonaro no Facebook?
Os números mostram que nos últimos trinta dias, Janones obteve 34,6 milhões de interações no Facebook (gráfico abaixo), com média de 1,1 milhão de interações por dia. Suas lives alcançaram 78 milhões de visualizações no período. Jair Messias Bolsonaro obteve um desempenho mais discreto: 21,7 milhões de interações no mesmo período, média de 700 mil por dia. Cabe ressaltar que Janones tem 3,4 milhões de curtidas em sua página, tendo acumulado mais 450 mil durante o período analisado. Bolsonaro ainda é maior, possui 10,7 milhões de curtidas, mas registrou crescimento equivalente a um décimo do alcançado pelo advogado, somando 47 mil curtidas no mesmo período.
Na luta pelo auxílio, Janones não se preocupa com responsabilidade fiscal e apresenta uma solução: os devedores do INSS poderiam arcar com o custo do benefício. Segundo o deputado, outras receitas também poderiam ajudar, como o corte nos salários dos políticos, por exemplo. Isso dialoga em cheio com uma das pautas bolsonaristas de maior apelo desde 2018: o fim dos privilégios. O alcance é tão grande que até a deputada Carla Zambelli, uma das estrelas do bolsonarismo nas redes, sucumbiu e pediu o apoio de Janones para tentar emplacar sua proposição: redução em 25% no salário dos agentes públicos que ganham mais de 15 mil reais para “ajudar” a pagar o auxílio.
O deputado desbancou toda a oposição, que por meses a fio tentou emplacar a narrativa de que o governo queria dar 200 reais, mas graças ao Congresso, o valor saltou para 600 reais – a mensagem soou confusa demais. No fim do mês, quando o dinheiro caiu na conta, quem ficou com os créditos foi o presidente. A estratégia de Janones nas redes, muito mais inteligente, deu nó na turma de Bolsonaro: o deputado de Minas quer saber do auxílio “daqui pra frente”. Procura não bater de frente com o presidente e na maioria das postagens se coloca de maneira respeitosa. Não fala em movimento contra o governo, mas sim capaz de “unir a todos”.
Ainda dialogando com a pauta do “fim dos privilégios”, jogando no campo bolsonarista, Janones tenta se mostrar um trabalhador incansável que se “sacrifica” aos domingos, em Brasília, pelo povo. Extrapolou Minas Gerais. Recebe comentários de todo o país.
Numa de suas lives, afirmou: “Nós estamos, pessoal, quebrando a internet. E fazendo um movimento jamais visto na história deste país. Um movimento que não é do André Janones. Que não é da direita. Que não é da esquerda. Mas um movimento que é capaz de unir a todos (…) Eleitor do Bolsonaro, do PT, do MDB. Todo mundo (…) Esse pessoal vai pra onde a banda toca. E ninguém tem coragem de enfrentar o povo brasileiro unido (…) Vamos continuar mobilizados. A gente sabe que o Presidente tá nas redes sociais, que o Ministério da Economia tá de olho nas redes sociais (…) Senta o dedo nessa live. Vamos pra cima deles. E que Deus os abençoe.”
André Janones conhece o poder das redes sociais online na política. Em maio de 2018 gravou vídeo na BR-365, perto de Uberlândia (o deputado é de Ituiutaba). Era uma defesa ao movimento paredista dos caminhoneiros. A publicação catapultou o nome do advogado a maior representante do movimento, mesmo sem nunca ter guiado um caminhão na vida, possivelmente. Foram 106 mil interações no Facebook e mais de 15 milhões de visualizações. Atônitos, os bolsonaristas, já em grande número nessa época na rede, o acusaram de “petista infiltrado”. Janones foi filiado ao PT de 2003 a 2012. Participou da juventude do partido, no movimento estudantil, até migrar para o diametralmente oposto PSC, onde permaneceu até 2018. Saiu candidato pelo Avante, a pecha de petista não colou e ele foi o terceiro deputado federal mais votado de seu estado.
As posições políticas em votações do Congresso parecem seguir a orientação ideológica demonstrada nas mudanças de partido ao longo de sua vida política: nenhum compromisso com siglas. Na reforma da Previdência, votou contra a orientação do partido, expressa pelo seu presidente, deputado Luiz Tibé, que queria votos favoráveis ao texto-base. Também responde a um processo na Câmara, com base no Código de Ética, por ter declarado que na Casa havia “bandidos, corruptos e ladrões”. Sua força nas redes parece segurar o processo, e ele se autodenomina o “fiscal do povo”.
Janones não conseguiu êxito na primeira batalha. Nesta terça-feira, 1º de setembro, Bolsonaro anunciou a redução do auxílio de 600 para 300 reais nas próximas quatro parcelas. Contudo, o deputado poderá, ao menos, comemorar grandes feitos nas redes. Até então sua participação no Twitter, principal arena digital de embate político, era tímida, mas, na terça (1/09) emplacou sua hashtag (#600PELOBRASIL) por quase o dia todo, com mais de 216 mil menções. Se havia dúvida de que os mais pobres participavam do Twitter, não há mais. Janones conseguiu encontrar seu público para além do Facebook. Mesmo tendo poucos seguidores (cerca de 60 mil), o dia nessa rede foi pautado por ele. Pelo menos 75% das postagens sobre o auxílio no Twitter foram contra a decisão do governo de reduzir o benefício, e o destaque nesse grupo foi o perfil de Janones.
A notícia mais compartilhada nas redes, no dia em que o auxílio emergencial foi o principal assunto, tem também o deputado como um dos protagonistas. O site BH Notícias cravou em sua chamada: “Bolsonaro derrota Janones e reduz auxílio emergencial para R$ 300” (295 mil interações no Facebook). As outras quatro somadas, dos portais G1 (duas notícias), R7 e Pleno News (site alinhado ao governo) obtiveram no mesmo período algo em torno de 145 mil interações. Menos da metade.
Por que a primeira notícia foi tão mais compartilhada do que as outras? No detalhe sobre o compartilhamento do link do modesto BH Notícias, site com registro na cidade natal de Janones, Ituiutaba, achamos o segredo. Uma postagem desta terça (01/09), por volta de 13 horas, na página do deputado, com a notícia. O deputado, que teve aproximadamente 250 mil interações nesse post, ainda desafiou Bolsonaro: “É o que veremos…”
PEDRO BRUZZI
Sócio da Arquimedes, consultoria de análise de mídias sociais.
É mestre e graduado em administração pela Fundação Getulio Vargas.
Fonte: piaui.folha.uol.com.br