A pandemia da Covid-19 aniquilou o mercado de trabalho brasileiro em 2020, a ponto de fazer o nível da ocupação —taxa que calcula a proporção de pessoas ocupadas dentro da população em idade de trabalhar— despencar e alcançar o menor patamar em 28 anos, de 46,8%.
O nível de ocupação é o pior desde 1992, quando tem início a série histórica organizada pela IDados. A consultoria traçou uma linha do tempo retroagindo dados da atual Pnad Contínua, da antiga Pnad e também da extinta Pesquisa Mensal de Emprego, todas do IBGE.
A compilação coube aos economistas Bruno Ottoni e Tiago Barreira.
Segundo Ottoni, fica bem claro que a pandemia teve uma influência na queda abrupta do índice, que caiu rapidamente nos últimos meses
“Uma das consequências da pandemia foi derrubar a população ocupada, pois perdemos muitos empregos no período”, disse o economista. Em um ano, foram 12 milhões de postos de trabalho a menos, segundo dados mais recentes da Pnad, do trimestre encerrado em agosto. O dado contempla os mercados formal e informal, e considera tanto empregados quanto empregadores, além daqueles que atuam por conta própria.
Com a queima de empregos, o nível de ocupação ficou em 46,8%, bem longe do pico da série, em novembro de 1992, quando o indicador marcou 60,1%.
Ou seja, hoje, de cada 100 brasileiros em idade de trabalhar (14 anos ou mais, pela metodologia do IBGE), apenas cerca de 47 estão de fato trabalhando, contra 60 há 28 anos.
Além disso, o país já vinha enfrentando uma tendência de queda no número de pessoas ocupadas por uma questão demográfica, com aumento das pessoas em idade de trabalhar, já que a população foi envelhecendo e o Brasil não gerou empregos no mesmo ritmo.
“O tamanho da população em idade de trabalhar mudou com o tempo”, explicou Ottoni. Ele ponderou também preocupação com o atual nível de ocupação. “A situação é grave”.
Rodolpho Tobler, do FGV-Ibre, lembrou que o país ainda sequer havia recuperado as perdas causadas pela recessão de 2015/16. Em dezembro de 2014, antes da crise econômica, o Brasil tinha nível de ocupação de 56,9%, chegando a 53,1% em março de 2017, o mínimo até então.
Influenciado pela alta da informalidade a partir daí, o país foi recuperando o mercado de trabalho, mesmo que com empregos mais precários. Em novembro e dezembro do ano passado, atingiu o maior patamar de ocupação pós-recessão, de 55,1%.
A partir daí, a pandemia começou pelo mundo o índice só despencou, mais uma vez puxado pela informalidade, setor mais prejudicado por ser muito ligado a serviços, que foram afetados pelas medidas de isolamento social.
Em maio, pela primeira vez na história o nível de ocupação ficou abaixo dos 50%.
“Isso significa que menos da metade da população em idade de trabalhar está trabalhando. Isso nunca havia ocorrido na Pnad Contínua”, disse Adriana Beringuy, analista da pesquisa do IBGE.
Na ocasião, Beringuy destacou que a redução inédita na pesquisa foi puxada principalmente pelos trabalhadores informais, que eram 5,8 milhões dos 7,8 milhões de pessoas que perderam o emprego no trimestre encerrado em maio. Por causa desse corte a taxa de informalidade despencou de 40,6% para 37,6%, a menor desde que o indicador passou a ser produzido, em 2016.
E a crise do coronavírus não atingiu apenas os informais. Na análise por gênero, cor ou raça, é possível ver que populações de mulheres, pessoas pretas ou pardas foram proporcionalmente mais afetadas.
Entre os homens, a redução no nível de ocupação foi de 6,7 pontos percentuais, de 64,3% para 57,6% entre os segundos trimestres de 2019 e 2020. No mesmo período, as mulheres, que já eram bem menos representadas no mercado de trabalho, sofreram queda de 45,9% para 39,4%, ou 6,5 p.p..
Entre os brancos, a retração no mesmo período foi de 6,2 pontos percentuais, caindo de 57% para 50,8%. Para a população preta a redução foi de 7,8 p.p., caindo de 55,7% para 47,9%, enquanto os pardos perderam 7,1 p.p., reduzindo de 52,2% a 45,1%.
Tobler explicou que a pandemia atingiu especialmente os informais, que são trabalhadores com produtividade e salário mais baixos, onde se encontram mais pretos e pardos por um caráter estrutural, que acabaram sendo os que mais sofreram com a redução de empregos.
“Isso é preocupante, porque a gente vinha em um caminho lento de redução de desigualdade, que a pandemia acabou acentuando. Vemos uma desigualdade maior ainda entre as pessoas de cargos mais altos”, analisou o economista.
Otto Nogami, economista do Insper, lembrou que a pandemia alterou nossa percepção de ambiente de trabalho, o que aniquilou empregos. “As empresas descobriram que não precisam de espaços físicos e podem controlar as operações remotamente”, analisou.
Ele citou o exemplo de bancos e algumas instituições financeiras que planejam fechar agências em 2021, o que vai reduzir milhares de empregos. Essa percepção também favorece os empregados mais qualificados.
O trabalho remoto exige pessoas que tenham capacidade de trabalhar sem ter supervisão presencial, e normalmente pessoas com esse perfil são mais qualificados”, afirmou.
Nogami diz que o problema pode se agravar no futuro, pois entende que o país pouco investiu em educação nas últimas décadas. “Vamos chegar a desempregos relativamente altos”, apostou.
O professor disse que uma solução seria investir desde agora em educação fundamental, especialmente em novas tecnologias, para que a mão de obra possa estar qualificada já na próxima geração.
Bruno Ottoni apontou que, em curto prazo, o país tende a esboçar uma recuperação nos próximos meses, com a abertura gradual da economia e mais pessoas procurando emprego, mas ainda deve demorar para o país atingir o patamar pré-pandemia.
“Perdemos muitos empregos e não temos projeção de crescimento econômico intenso para o ano que vem”, disse o economista. A expectativa é de crescimento de 3,34% em 2021, segundo o último boletim Focus, com queda esperada de 4,81% neste ano.
Além disso, ainda existe muita incerteza, principalmente pela evolução da pandemia. A ausência de uma vacina e uma alta nos índices de contaminados no Brasil, cenário que vai se desenhando com o recente aumento de casos e óbitos, pode agravar a situação. Isso poderia levar a novos fechamentos do comércio, prejudicando o ritmo de retomada.
“O que mais preocupa é que não deslumbramos uma recuperação robusta. Não consigo imaginar uma melhora forte a ponto de retomar ao patamar pré-pandemia”, disse Rodolpho Tobler.
“Enquanto não tiver clareza de como a pandemia será resolvida e também o ritmo da recuperação da pandemia, não podemos imaginar a volta àquele patamar”, finalizou.
Fonte: folha.uol.com.br