A agência da ONU (Organização das Nações Unidas) para Direitos Humanos critica o negacionismo do governo brasileiro diante do “racismo estrutural” no país. Num recado claro à cúpula no Palácio do Planalto, a entidade insiste que as autoridades precisam reconhecer o problema da discriminação como “primeiro passo” para lidar com a realidade. Para a ONU, a morte de João Alberto Silveira Freitas, ocorrida na semana passada numa loja do Carrefour, mostra como reformas são “urgentes” e cobra a liderança do país a mudar seu comportamento.
A declaração foi do Alto Comissariado da ONU para Direitos Humanos, liderado pela ex-presidente do Chile, Michelle Bachelet. “Esse é um ato deplorável e que precisa ser condenado por todos. E quando falamos de todos, há uma responsabilidade especial dentro do governo e nas estruturas mais altas da liderança política para que tais condutas sejam reconhecidas e que sejam condenadas”, disse a porta-voz da chilena, Ravina Shamdasani. “O reconhecimento (do racismo) precisa ser o primeiro passo para resolver o problema”, insistiu.
“Negros no Brasil sofreram todos os tipos de violência e injustiças. Negar o problema é perpetua-lo. O importante, portanto, é que a liderança no mais alto escalão reconheça o problema e tome medidas para lidar com ele”, afirmou. “Esse não é um novo problema no Brasil e tem décadas, profundamente enraizada”, insistiu. Para ela, há uma necessidade “urgente” de reformas da lei.
O posicionamento da ONU vem depois de comentários por parte da cúpula do governo brasileiro rejeitar a existência do racismo no país. “Para mim, no Brasil não existe racismo. Isso é uma coisa que querem importar aqui para o Brasil. Isso não existe aqui”, afirmou Hamilton Mourão, vice-presidente. Ao discursar na abertura da reunião de cúpula do G-20, Jair Bolsonaro gerou um constrangimento entre os demais líderes e mesmo dentro do Itamaraty, ao dizer que enxerga todos de “verde e amarelo”. No lugar de mostrar solidariedade em relação à família da vítima, ele ensaiou uma crítica aos protestos.
Racismo no Brasil é documentado, afirma ONU
Para a ONU, não há o que questionar sobre a existência do problema no país. “O racismo estrutural, a discriminação e a violência que as pessoas de origem africana enfrentam no Brasil são documentados por dados oficiais, o que indica que o número de vítimas afrobrasileiras de homicídio é desproporcionalmente superior ao de outros grupos”, afirmou Ravina. “Os dados também mostram que os afro-brasileiros, incluindo mulheres, estão sub-representados na população prisional do país”, alertou.
A entidade também pede que seja examinado “se o preconceito racial desempenhou um papel”. “Este aspecto deve também ser tido em conta ao assegurar justiça e verdade, bem como reparação para a sua família”, alertou Ravina.
“Os estereótipos raciais profundamente enraizados, incluindo entre os funcionários da polícia e do sistema judicial, devem ser combatidos”, alertou. “As autoridades devem também intensificar a educação para os direitos humanos, a fim de promover uma melhor compreensão das causas profundas do racismo, e fazer um maior esforço para encorajar o respeito pela diversidade e o multiculturalismo, e fomentar um conhecimento mais profundo da cultura e história dos afro-brasileiros, bem como da sua contribuição para a sociedade brasileira”, defendeu a representante.
Organização cobra também o Carrefour
Para o Alto Comissariado da ONU para Direitos Humanos, a situação é outra e pede que investigações sejam realizadas. Mas a agência também pede explicações por parte do Carrefour.
Se a ONU indica que cabe ao Estado agir, as empresas também têm a responsabilidade de respeitar os direitos humanos em todas as suas operações e relações comerciais. “Esta responsabilidade exige que uma empresa efetue a devida diligência para prevenir, identificar e mitigar os riscos dos direitos humanos, incluindo na contratação de segurança privada”, alertou.
“Registramos que o Carrefour — membro do Pacto Global da ONU— em cujas instalações Silveira Freitas foi morto, disse já ter terminado o seu acordo com a empresa de segurança privada em questão”, indicou Ravina. Mas ela aponta que o Carrefour “deveria explicar se, e como, tinha avaliado os riscos de direitos humanos associados à contratação da empresa e que medidas tinha tomado para mitigar tais riscos, com vista a evitar uma tragédia como esta” Ainda na semana passada, o escritório da ONU no Brasil havia emitido um duro comunicado, classificando a morte como “um ato que evidencia as diversas dimensões do racismo e as desigualdades encontradas na estrutura social brasileira”.
Essa não é a primeira vez que a ONU denuncia a situação no país. Em informes publicados nos últimos anos, a entidade apontou para o racismo sistêmico, institucionalizado e estrutural no Brasil.
Fonte: noticias.uol.com.br