Em um momento em que 20 unidades da Federação estão numa situação da Covid-19 pior do que há quatro semanas, o presidente Jair Bolsonaro ignorou dados e afirmou nesta quinta (10) que o Brasil vive “um finalzinho de pandemia”
“Estamos vivendo um finalzinho de pandemia”, disse Bolsonaro durante evento em Porto Alegre para inaugurar uma ponte. “Nosso governo, levando em conta outros países do mundo, foi o que melhor se saiu no tocante a economia. Prestamos todos apoios possíveis a estados e municípios”, completou.
A afirmação do presidente não é corroborada pelos números.
A reportagem comparou a classificação dos estados e do Distrito Federal nesta quinta com o estágio registrado no meio de novembro no Monitor de Aceleração da Covid-19 da Folha. . Não pioraram no período apenas seis estados (Amazonas, Goiás, Maranhão, Mato Grosso, Piauí e Roraima).
Mesmo assim, eles estão com crescimento no número de casos e podem regredir na classificação nos próximos dias.
Santa Catarina também não mudou de estágio, mas porque já estava como acelerado, o pior dos quatro estágios considerados.
Em meados de novembro, apenas os catarinenses estavam no acelerado, que significa que o número de casos está em crescimento rápido. Agora, são 15 unidades da federação.
O modelo de acompanhamento utilizado no monitor se baseia na evolução de casos em cada local e tem como parâmetro um período de 30 dias, com mais peso para o período mais recente (não é considerado o volume de mortes).
Outros indicadores apontam para uma piora na pandemia do país. Em cerca de um mês, subiu de seis para oito o número de capitais com mais de 80% dos leitos de UTI ocupados . As filas para testes aumentaram, e em cidades como Rio há fila também por leitos de UTI.
Se considerado o tamanho da população, as posições do Brasil são 28ª e 17ª, respectivamente. São 179 mil mortes até agora e quase 7 milhões de casos registrados –o número pode ser maior, dada a subnotificação.
Com a aproximação das festas de fim de ano e o avanço da doença, governadores e prefeitos anunciaram medidas para tentar conter o fluxo de pessoas e, consequentemente, a disseminação do vírus.
Em São Paulo, o governo João Doria (PSDB) determinou que o estado na classificação que determina as atividades permitidas durante a pandemia, reduzindo o horário de funcionamento e capacidade de atendimento do comércio. Curitiba restringiu o consumo de bebidas alcoólicas em espaços públicos, e algumas cidades adotaram toque de recolher.
Segundo monitoramento do Google com base em aparelhos móveis, o fluxo de pessoas está hoje acima do que no começo do ano no país, o que mostra o esvaziamento das medidas de isolamento social.
O monitoramento da evolução de mortes e de casos no Brasil ficou prejudicado nas últimas semanas devido a um problema no sistema do Ministério da Saúde, que centraliza os dados.
O período mais crítico ocorreu entre 6 e 13 de novembro, quando estados como São Paulo não conseguiram inserir dados no sistema. Com isso, diversos métodos de monitoramento passaram a mostrar uma queda irreal de casos e de mortes, e, na sequência, a inserção de dados acumulados inflou artificialmente os números.
Análise da reportagem indica que agora é seguro dizer que a aceleração da doença não tem mais relação com o apagão de dados.
Como funciona o monitor
O monitor da Folha tem como base um modelo estatístico desenvolvido por Renato Vicente, professor do Instituto de Matemática da USP e membro do coletivo Covid Radar, e por Rodrigo Veiga, doutorando em física pela USP.
A situação em cada local avaliado recebe uma classificação. Há cinco possibilidades: inicial, acelerado, estável, desacelerado e reduzido.
A fase inicial é aquela em que surgem os primeiros doentes. O Brasil já não tem nenhuma cidade com mais de 100 mil habitantes nessa situação.
A etapa acelerada é aquela em que há aumento rápido do número de novos casos. Na estável, ainda há número significativo de pessoas sendo infectadas, mas a quantidade de novos casos é constante.
Quando o número de novos casos cai ao longo do tempo de maneira considerável, tem-se a fase de desaceleração. Já na etapa reduzida há poucos casos novos (ou nenhum), levando em consideração o histórico da epidemia naquele lugar.
Fonte: folha.uol.com.br