Circula nas redes um vídeo singelo e pavoroso. Ele dá conta do buraco civilizacional em que nos metemos. Lista quatro tragédias que colheram os brasileiros e a reação dos presidentes de então. E, claro!, relembra as declarações de Jair Bolsonaro sobre os mortos por covid-19.
No dia 31 de outubro de 1996, um Fokker 100 da TAM caiu nas imediações do aeroporto de Congonhas. Morreram 99 pessoas. FHC, então presidente, houve por bem se manifestar. Afirmou:
“Eu queria apenas expressar, em nome do governo e falando pelo povo brasileiro, um sentimento de profundo pesar, de consternação mesmo, pelo que aconteceu em São Paulo, nesse acidente. Acidente, já o nome diz, é algo que não era previsto, mas nós temos que lembrar que não só morreram muitos brasileiros e brasileiras que eram passageiros do avião, mas também pessoas que estavam em suas casas. O que chama a atenção, com respeito às condições dos nossos aeroportos em centros que são de alta densidade populacional.”
No dia 17 de julho de 2007, um Airbus da TAM aterrissou em Congonhas, mas, por falha operacional, não parou, atravessou o limite da pista e caiu do outro lado da avenida, sobre um galpão da própria empresa. Morreram 199 pessoas. Na Presidência, afirmou Lula:
“Foi com grande consternação que recebi a notícia do acidente envolvendo um Airbus da TAM no aeroporto de Congonhas, em São Paulo. Quero manifestar minha solidariedade aos parentes das vítimas e assegurar à sociedade brasileira que todas as investigações necessárias serão feitas a fim de esclarecer as causas dessa terrível tragédia. Em sinal de pesar pelas vítimas, decretei luto oficial no país nos próximos três dias”.
No dia 27 de janeiro de 2013, o pavoroso incêndio da boate Kiss em Santa Maria, no Rio Grande do Sul, matou 242 pessoas. Com a voz embargada, mal contendo o choro, afirmou a então presidente Dilma Rousseff:
“Eu queria dizer à população do nosso país e de Santa Maria o quanto, nesse momento de tristeza, estamos juntos. E necessariamente iremos superar, mantendo a tristeza”
No dia 28 de novembro de 2016, um avião fretado pela Chapecoense caiu e matou 71 pessoas. Na Presidência da República, disse Michel Temer:
“Nesta hora triste que a tragédia se abate sobre dezenas de famílias brasileiras, expresso minha solidariedade. O governo fará todo o possível para aliviar a dor dos amigos e familiares do esporte e do jornalismo nacional.”
Esses são os quatro desastres listados no vídeo. Um quinto pode ser lembrado: a queda do Boeing da Gol na Amazônia, no dia 29 de setembro de 2006, depois de um choque com um Legacy, matando 154 pessoas. Também nesse caso, Lula falou:
“Nessa hora de dor e perplexidade com a tragédia, o Presidente da República quer expressar sua profunda solidariedade a cada um dos familiares e amigos das vítimas. Saibam eles que o Brasil inteiro está também enlutado no dia de hoje”.
Os mortos nessas cinco tragédias — que comoveram e traumatizaram, cada uma a seu tempo, o país — somam 765 pessoas.
AGORA BOLSONARO
Pois bem, meus caros: morrem por covid-19 no país, na média, quase o triplo desse total por dia. E é certo que temos um presidente que também reage. Como? Assim:
“E daí?”
“Lamento. Quer que eu faça o quê?”
“Eu não sou coveiro”.
“Todo mundo morre um dia. Nem sente”.
“Chega de frescura e de mimimi. Vão ficar chorando até quando?”
Ou, então, ele ironiza os doentes, simulando estar sufocado, em evidente atitude de pouco caso, ou faz vozinha, como se o paciente estivesse com que ele chama de frescura: “Ai, eu estou com covid”. E cai na gargalhada, debochando dos doentes. No sábado, silenciou sobre os mais de 500 mil mortos. FHC, Lula, Dilma, Temer… Falamos de presidentes com ideologia e estilo distintos. Ora, o que espera o país num momento de trauma? Que o chefe da nação saiba ser, quando menos, solidário.
Bolsonaro escarnece do sofrimento de milhões de pessoas e dá de ombros para a morte de mais de 500 mil. Neste domingo, contavam-se 501.918. A média móvel voltou ao nível de abril, com uma elevação de 24% em relação ao número de há 14 dias. Os números do Brasil — que caminha para ultrapassar os EUA e se tornar o país em que a doença mais mata — renderam manchetes mundo afora. E, invariavelmente, a imprensa internacional lembra o comportamento irresponsável e ensandecido de Bolsonaro, que não encontra paralelo no mundo. Ninguém diz o que ele diz, prega o que ele prega, defende o que ele defende.
Embora o presidente despreze as vacinas e considere que a melhor proteção é ficar doente, seu governo comemora a farsa de que o Brasil é o quarto país que mais imuniza no mundo. Os vigaristas fazem a conta em números absolutos. É uma estupidez, claro! Na relação por 100 mil habitantes, estamos em 78º lugar. O Brasil do presidente negacionista tem 2,7% da população mundial e concentra um terço do número diário de mortes por Covid-19 no planeta.
Eis a eficiência de Bolsonaro.
É por isso que muitos milhares foram às ruas.
E, por isso, voltarão.
Fonte: noticias.uol.com.br